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Rota da Baleia Franca representa o futuro do ecoturismo no litoral Sul catarinense

Em fase de consolidação, projeto eleva potencial turístico na baixa temporada
Rota da Baleia Franca representa o futuro do ecoturismo no litoral Sul catarinense
Foto: Stephanie Barbosa Lemos/Especial Engeplus
Por Thiago Hockmüller Em 19/09/2018 às 10:57

O litoral Sul catarinense está em evidência. Desta vez de forma positiva. E a culpa é delas, as baleias francas. Somente nesta temporada já foram registradas 238 baleias na região da Rota da Baleia Franca, que compreende os municípios de Garopaba, Imbituba e Laguna. É um recorde. Em 2006, ano que detinha a maior marca, foram 193. No ano passado, apenas 49. 

O recorde surpreende pesquisadores e biólogos. E é comemorado por turistas e empresas que exploram o ecoturismo na região. Somente nesta temporada, a estimativa é que o ecoturismo, sobretudo voltado para a Rota da Baleia Franca, tenha trazido neste segundo ano de projeto consolidado mais de 1,5 mil turistas na baixa temporada.  


Instituto Australis já registrou mais de 230 baleias francas durante a temporada (Foto: Instituto Australis)

Vale ressaltar que este dinheiro não fica somente nos municípios no ponto de vista governamental. É receita para bares, restaurantes, pousadas, artesãos, pescadores, guias turísticos e empresas licenciadas para explorar o ecoturismo. "Estamos no segundo ano de projeto pronto. O número é muito positivo. O projeto é multiplicador e busca alternativas econômicas para a baixa temporada. Surgiu como um produto para incentivar o empreendedorismo", explica a analista técnica do Sebrae e uma das idealizadoras da Rota da Baleia Franca, Juliana Ghizzo

Ainda que esteja em fase de crescimento e consolidação, a procura de turistas pela Rota da Baleia Franca tem aumentado timidamente ano após ano. Ainda tem muito o que evoluir, mas os primeiros passos já estão dados. Hoje, Santa Catarina virou a chave. De abate de baleias para referência na preservação da espécie e exploração do ecoturismo. “Não tem nenhuma outra região no país como essa. É um potencial imenso de ecoturismo porque conseguimos chegar na beira da praia e enxergar a baleia ali na frente. Não interferimos em nada no comportamento delas. No Brasil inteiro não tem outro lugar tão fácil para observar baleia como aqui. Temos outra experiência de observação, que fica na Bahia, mas lá tem que adentrar o mar, tem toda uma questão logística. Aqui é mais simples. Com certeza essa região da Rota da Baleia Franca será muito procurada pelos ecoturistas, turistas e amantes da natureza”, projeta o biólogo e parceiro da empresa Ao Sul Natural Turismo, Cassio Sartori

Foi com Cassio e com Felipe Usczacki (proprietário da Ao Sul Natural) que o Portal Engeplus iniciou um safári por Garopaba, no último final de semana. Tudo para ver de perto a baleia, os filhotes, a natureza e conhecer pessoas que contribuem nesta construção. A partir de hoje você acompanha uma série especial sobre o turismo em Garopaba, a observação das baleias e os extras (não menos importantes) que configuram a cidade como um destino ideal para amantes da natureza. E claro, de uma boa gastronomia e de pousadas para todos os estilos (e bolsos). E tem ainda o bom papo com nativos e moradores vindos de outras regiões do país, que se apaixonaram pela cidade, e não saíram mais.  

Berçário para os filhotes 

O primeiro ponto para compreender a rota é o motivo que atrai a baleia franca para o litoral catarinense. E quem ajuda nessa compreensão é o Instituto Australis de Pesquisa e Monitoramento Ambiental, que é uma entidade civil criada em 2015 e que não possui fins lucrativos. Ele auxilia na manutenção das atividades do Programa de Pesquisa e Conservação da Baleia Franca (Projeto Baleia Franca) e está localizado no Centro Nacional de Conservação da Baleia Franca, em Imbituba.     

Conforme o instituto, a baleia franca migra da região da Antártida para águas mais quentes, onde poderá se reproduzir. E “pimba”, lá está o litoral catarinense como destino das gorduchas, que se estabelecem na costa entre os meses de maio e novembro. Confira:  


                       Fonte: Instituto Australis

                        

 

As baleias francas fazem uma migração vindo das ilhas de Geórgia do Sul,
próximo da Antártida, em direção à região de Garopaba, Imbituba e Laguna, principalmente. Mas elas estão presentes em toda a APA (Área de Proteção Ambiental) da baleia franca, que vai do sul de Florianópolis até Balneário Rincão. Elas fazem essa migração para terem seus filhotes e acasalar. Toda essa região é considerada um berçário, uma área de proteção para que elas possam ter os seus filhotes tranquilas

Cassio Sartori,
biólogo e parceiro da empresa Ao Sul Natural 

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Com a calmaria oferecida na costa catarinense, os filhotes se desenvolvem o suficiente para a jornada de volta à Antártida. Robustos, chegam a consumir 200 litros de leite por dia. Isso tudo mesmo diante do controle da mãe, que por vezes aparece de barriga pra cima evitando que o filhote (esganado) se alimente mais que o adequado. 

Aliás, este comportamento é apenas um de outros tantos perceptíveis, e muitos ainda não possuem um significado comprovado. Por exemplo: os tão aguardados saltos das baleias não servem para exibição (embora gostamos de pensar que é exatamente para isso que servem), mas possuem duas hipóteses para serem explicados (confira no vídeo).  

No passado era diferente

Se em 2018 as baleias encontram tranquilidade e paz para procriarem no litorial catarinense, no passado a história era outra. A caça deste mamífero quase exterminou a espécie na região. E a carne nem era o principal objetivo dos caçadores, que transformaram o oceano em um grande abate entre os séculos 18, 19 e 20. Segundo o Instituto Australis, a principal busca era pelo óleo fornecido pelas baleias, que à epoca servia como um tipo de petróleo. Para se ter uma ideia, era utilizado na construção civil auxiliando na fabricação da argamassa. E também como energia para alimentar a iluminação pública. Em Garopaba, basta poucas caminhadas com os guias turísticos para conhecer construções que até hoje estão intactas na cidade. 

Apesar do tamanho (fêmeas podem atingir mais de 17 metros e 60 toneladas) as gorduchas eram facilmente caçadas. Tamanha facilidade rendeu um apelido: Baleia Certa. Em Garopaba, a caça às baleias seguiu até a década de 70 do século passado.

A caça

A captura desenvolvida até o princípio da década de 1950 manteve essencialmente as características rudimentares da prática baleeira das Armações, em que arpões manuais eram utilizados e o animal arpoado levava muitas horas até sucumbir. Para reduzir o esforço de captura, utilizava-se um artefato denominado bombilança – uma comprida lança com cabo de madeira na qual se fixava dinamite, e que era cravado nas costas da baleia simultaneamente ao arpão principal, preso à baleeira por uma comprida corda. Depoimentos recolhidos na região de Imbituba pelo historiador Manoel de Oliveira Martins dão conta de que o impacto da derradeira estação baleeira ali localizada estendia-se por grande parte do litoral Centro-Norte de Santa Catarina, de vez que os caçadores iam a grandes distâncias ao longo da costa para buscar e matar as já pouquíssimas baleias francas que ainda apareciam.

Em 1952 foi introduzido na técnica de captura dos baleeiros de Imbituba o uso do canhão-arpão, montado na proa da baleeira e que aumentava a eficiência da captura, levando a um pico de eficiência em 1957 com a matança de 10 animais, das quais duas perdidas no mar. Por esta época, a estação baleeira era um galpão de 360 metros quadrados localizado na praia do Porto, e que teve como último operador a Sociedade Indústria de Produtos de Pesca Ltda.; ainda restam destas instalações os tanques de óleo e fragmentos das ruínas, Patrimônio Histórico tombado em 1998 pela Prefeitura Municipal de Imbituba e que constitui memória da última estação baleeira do Sul do Brasil.

Entre 1954 e 1963, segundo estatísticas oficiais das autoridades pesqueiras de então, foram mortas cerca de 30 baleias francas na região com capturas anuais entre 3 e 5 animais; entre 1964 e 1973 outras 15 foram mortas. Estas estatísticas podem ser muito inferiores à captura real, segundo depoimentos recolhidos entre antigos caçadores de baleias catarinenses e que levam a uma estimativa de aproximadamente 350 baleias francas mortas entre 1950 e 1973. Em 1973 a captura de um animal medindo cerca de 14 metros de comprimento assinalou o fim da indústria baleeira catarinense para todo o sempre. A partir da captura da última baleia franca em Santa Catarina, a espécie mergulhou num absoluto limbo, sendo por muitos considerada extinta em águas brasileiras. Relatos de aparecimento de animais encalhados posteriores a essa data, no final da década de 70, eram considerados eventos isolados e “não confirmados” pela comunidade científica e não se reconhecia, então, que pudesse haver ainda uma população “brasileira” sobrevivente de baleias francas.

Fonte e fotos: Instituto Australis

A estação baleeira de Imbituba foi última a operar no sul do Brasil. Em Garopaba ainda é possível encontrar resquícios desta história de confronto. Na Praia da Vigia existe uma oficina de pedras onde antigas civilizações amolavam e afiavam suas ferramentas. Outro vestígio é a chamada erva baleeira, encontrada em vários pontos da cidade. Esta erva era levada pelos caçadores nas embarcações e utilizadas para a cura de ferimentos e como anti-flamatório (confira no vídeo).

Paz com as baleias, sucesso com o turismo

Bacharel em Turismo, especialista em ecoturismo, perícia ambiental e guia de turismo regional na empresa Guia Baleia Franca Ecoturismo, Priscila Busatto, trabalha desde 2002 com o ecoturismo na região da Rota da Baleia Franca. Tem acompanhado de perto a evolução gradativa do turismo em Garopaba, ainda lembrada como a Capital Catarinense do Surf. Ela explica que a relação de caça e caçador só finalizou com a quase extinção do mamífero. É provável que se existessem baleias em maior quantidade, a caça se prolongaria por mais tempo. "Hoje ao invés de caçar a baleia, vamos atrás dela para mostrar a beleza natural, para o turismo de observação, que é uma forma sustentável de utilizar também a baleia e conhecer um pouco mais dela", explica.

 

Não interferimos em nada no comportamento desses animais. Quando elas vêm para ter seus filhotes, é um momento delicado da vida. Elas têm que cuidar dos seus filhotes. Na visão da biologia da conservação, do pessoal que trabalha com ecoturismo, quanto menos interferimos nesse processo é melhor para que ela possa ter a sua gestação, o seu cuidado parental com mais tranquilidade 

Cassio Sartori,
biólogo e parceiro da empresa Ao Sul Natural 

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A forma sustentável citada por Priscila teve nesta temporada a cooperação das baleias. As 238 avistagens na Área de Proteção Ambiental (APA) da beleia franca foram registradas pelo Instituto Australis por meio de monitoramento aéreo. A contagem será fechada no final da temporada, em novembro, quando elas iniciam a jornada de volta para a Antártida.

Enquanto isso não acontece, ainda existe tempo para interessados observarem o mamífero. Durante o último sábado, dia 15, a reportagem do Portal Engeplus pôde observar baleias e filhotes nas praias de Gamboa e Siriú. E o apelido "Baleia Certa" ficou ainda mais evidente quando em alguns momentos ela se aproximou de surfistas e pareceu não se incomodar. Já os filhotes não economizaram nos saltos. Pura exibição dirá o turista/jornalista.

 
 

Entenda mais sobre a baleia franca

De Porto Alegre para Garopaba

Durante o trajeto de carro até a praia da Gamboa, a reportagem foi munida de inúmeras informações a respeito da cultura local, fauna, flora e de contextos sociais vividos em Garopaba. Felipe Usczacki, proprietário da Ao Sul Natural, trabalha com transportes de passageiros desde 2003. E desde 1999 costumava viajar de Porto Alegre à cidade para surfar e acabou impactado com a beleza natural da Rota da Baleia Franca. 

Mesmo observando as gorduchas, não tinha conhecimento da representatividade deste mamífero para a cultura local. Depois de passeios guiados por profissionais do turismo ele não teve dúvidas. Deixou a Capital gaúcha para morar na região. Em 2017, se mudou para a Barra da Ibiraquera em Imbituba. E em junho deste ano instalou a empresa. "Durante 20 anos frequentei a região e durante 20 anos eu surfei com baleia, eu vi baleia. Só depois que fui acompanhado de um guia eu pude entender o que a baleia vem fazer aqui, qual o hábito dela aqui. É muito enriquecedor o trabalho de um guia. Ver baleia aqui é fácil, agora, entender baleia só com um guia, pois eles vão enriquecer a experiência", afirma Felipe. 

Curiosamente a Ao Sul Natural recebeu nesse fim de semana duas pesquisadoras inglesas, que vieram de Londres para uma série de reuniões em Florianópolis sobre a baleia franca. Reservadas, não quiseram ser fotografadas e nem dar entrevistas durante o sáfari, mas as reações a cada aparição da baleia e a cada salto dos filhotes não deixaram dúvidas: gostaram do que viram e tiveram uma boa impressão do litoral catarinense. O passeio pelas pequenas trilhas até chegar nos "mirantes naturais" também contribuíram para a satisfação. "Tem aqui uma região que é muito favorável para a observação de baleias feita por terra. Temos enseadas pequenas, com costões rochosos de granito que formam mirantes naturais, que possibilitam avistar as baleias tanto dos costões como até mesmo da praia. Como elas tem esse hábito de chegar perto da praia a gente consegue fazer uma boa observação", explica o biólogo, Cassio Sartori. 

Como parceiro e idealizador do projeto, o Sebrae comemora o engajamento das empresas, como a de Felipe. Atualmente já são 150 empresas devidamente engajadas com a Rota da Baleia Franca. Emprego, fomento econômico, oportunidade na baixa temporada e um extra: conscientização da preservação do meio ambiente. "São seis meses, com alta entre junho e setembro. O turismo também é forma de orientar as pessoas para a preservação, além do ganho financeiro e do prazer. Nosso projeto para 2019 é o plano de promoção da Rota da Baleia em uma parceria junto ao Ministério do Turismo e Embratur", conta a analista técnica do Sebrae e uma das idealizadoras da Rota da Baleia Franca, Juliana Ghizzo. 

A promoção citada por ela promete colocar a Rota da Baleia Franca entre os principais roteiros turísticos do Brasil. Essa amplitude deve melhorar ainda mais os indíceis econômicos da região. Nesta temporada o balanço ainda não foi finalizado, mas, conforme o Sebrae, em apenas uma agência de turismo foram recebidos 70 grupos para a observação da baleia em Garopaba.

Na próxima reportagem da série sobre a Rota da Baleia Franca o Portal Engeplus traz opções gastronômicas e de hospedagem em Garopaba.

Galeria de fotos: Thiago Hockmüller e Stephanie Barbosa Lemos