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Sobre duas rodas: de Urussanga para o ‘Fim do Mundo’

Casal de Urussanga viajou de moto para a cidade de Ushuaia
Sobre duas rodas: de Urussanga para o ‘Fim do Mundo’
Foto: Jessica Rosso
Por Jessica Rosso Em 25/04/2020 às 11:30

Viajar de moto se tornou uma paixão para  os noivos Carolina Biz, de 33 anos, e Diego Redivo, de 32 anos. O casal decidiu viajar pela primeira vez nesse estilo em 2016, para a Argentina. Depois disso, foram para o Uruguai, atravessaram a Bolívia e, recentemente, conheceram Ushuaia, na Argentina. A cidade é conhecida como o ‘fim do mundo’, justamente por estar localizada no extremo sul da América do Sul e ser a última cidade ao Sul do planeta.

Foram 12 mil quilômetros sobre duas rodas, com saída no dia 19 de dezembro e retorno no dia 11 de janeiro. Mas o roteiro demorou cerca de um ano para ser preparado pelo casal. “O Diego ficou em busca de informação, conversando com as pessoas. Eu fui na vibe dele, achando que era tudo muito fácil, muito bonito”, riu Carolina, lembrando de algumas dificuldades durante o percurso. 

Ela conta que logo no início da viagem foi pega desprevenida pelo clima. “Achei que atravessando a fronteira, entre Mendoza, que é a região dos vinhedos na Argentina, até Santiago, fosse frio, mas pegamos um calor infernal em Santiago. O termômetro da moto marcava 44ºC”, lembra. E os desafios podem ser variados: o casal chegou a atravessar um protesto enquanto passava por Santiago - Chile enfrentava uma crise no país. “No final deu tudo certo”, disse. 

A rota dos motoqueiros

Para chegar ao destino final, Ushuaia, o casal passou pela Carretera Austral - uma rodovia localizada no Sul do Chile, que possui 1.240 quilômetros. O trajeto é uma rota procurada por motociclistas de todos os lugares do mundo, frisou Diego.

“É um ícone passar por essas estradas, ir até Ushuaia e fazer a Carretera Austral”, pontua. 

Para chegar à famosa rodovia é preciso descer por todo o Chile, explica o motorista. “O Chile é um país estreito. Passamos por Santiago e continuamos descento até uma cidade chamada Puerto Montt, onde acaba essa estrada”, relata. Depois disso, explicam o casal, é só entrar floresta adentro. “É uma estrada de chão que vai até o final do Chile, onde acaba a estrada mesmo”, dizem. Diego lembra que durante o trajeto, eles passaram por florestas, parques nacionais, lagos e montanhas.

Carolina descreve a Carretera Austral como única. "Tem paisagens bem peculiares: montanhas com gelo, aquelas árvores estilo floresta canadense, várias cabanas. A gente passou aquele período ali, entre o Natal e Ano Novo, e tinha muita gente de férias acampando nas lagoas. Uma paisagem muito bonita e diferente", lembra.

Finalizando o trecho, atravessando para a Argentina, o casal chegou à Geleira Perito Moreno, na cidade de El Calafate. “É um glacial bem famoso”, comenta Carolina.  

A geleira Perito Moreno foi a última parada dos dois antes de descerem até Ushuaia. Diego conta que o real motivo da viagem era conhecer os pontos turísticos e estar em contato com a natureza. Ele menciona que em todos os pontos era possível visitar e conhecer um lugar novo, sempre fazendo menção aos lugares turísticos. Durante toda a viagem, eles percorreram entre 600 e 700 quilômetros por dia.

De uma cidade para outra, os dois também precisavam estar atentos com a hospedagem. Para isso, eles utilizaram um aplicativo que permitia ver os hotéis disponíveis. Apenas uma única vez eles encontraram um dos vilarejos lotado de turistas. Isso fez com que perdessem um pouco de tempo e gastassem um pouco a mais do previsto até encontrarem um lugar para ficar. 

“Chegamos na cidade que tinha aquelas capelas de mármore, e o vilarejo estava lotado, porque no dia anterior não deu para fazer os passeios de barco, já que a água estava muito agitada, então os turistas ficaram por dois dias”, relata Carolina. “Conseguimos um local, mas pagamos muito caro”, complementa Diego, que contou ter gasto 150 dólares na ocasião. 

O custo da viagem pode variar dependendo da hospedagem, comida e passeios realizados. O casal gastou em média um total de R$ 500 por dia. “Teve hotel que pagamos 20 dólares, mas teve hotel que pagamos 70 dólares”, relembra a jovem.

“Pouca bagagem e muita coragem”

Ao planejar uma viagem como essa, de moto, a maior dúvida é: o que levar? O casal explica que não é necessário levar muita roupa, até por conta do espaço que possui no bagageiro da moto. Porém, é preciso ter muita coragem, e como Carolina mesmo brincou: “falta de juízo”. "Esta é uma viagem em que se enfrenta de tudo", admitiu ela, relatando alguns ocorridos inesquecíveis. “Chegou a aconteceu com a gente de a moto quebrar na estrada e pessoas ajudarem a gente. Também ajudamos pessoas", avalia. 

Ela lembra bem de um casal de mexicanos que parou para ajudar quando o pneu da moto furou. “São pessoas do mundo inteiro, fazendo vários tipos de roteiro”. E é preciso estar preparado, porque as dificuldades para aqueles que preferem a viagem de moto à de carro são maiores. “Pegamos chuva, frio, vento”.

Na volta de Ushuaia até Bahía Blanca, o casal enfrentou sete dias de vento, o que, segundo eles, foi a maior dificuldade enfrentada durante a viagem. "Primeiro andamos devagar, porque tinha cascalho solto na estrada. Enfrentamos essa dificuldade, e o vento na lateral. Isso é muito difícil, porque o vento começava a soprar às 10 horas e durava até o anoitecer. E é constante. Ele chega a tirar a moto da estrada, a gente anda de lado, e é bem complicado mesmo”, ressaltou Carolina. Mas é claro que o visual compensou para eles. 

E nesse meio tempo tem mais um monte de gente viajando também...

Brasileiros, mexicanos, chineses, pessoas do mundo todo! 

Em certos momentos, e diante de um visual deslumbrante, essa pode até parecer uma viagem solitária. Só que não é bem assim. 

Diego e Carolina conheceram muita gente, e viram pessoas de todos os lugares do mundo. O rapaz descreve pouco movimento na estrada em certos momentos, mas logo dispara que “se parar no acostamento, alguém também para e pergunta se está tudo bem, se precisa de ajuda”. 

Mas fica a dúvida sobre a segurança de enfrentar todos esses quilômetros sobre duas rodas. "Apesar de estar isolado em um canto do continente, bem longe de casa, é uma viagem segura”. 

Os dois contam que encontraram muitos estrangeiros viajando "até de bicicleta" em direção a Ushuaia. E brasileiro?" Tem bastante."

Durante o percurso, o casal ajudou um pai com seus dois filhos, de 12 e 18 anos, naturais do Rio de Janeiro, que estavam com o pneu furado. Eles lembram bem da história que levou o trio a fazer a viagem de moto. “O filho mais velho tinha tirado a carteira de motorista recentemente e convidou o pai, que topou o desafio. O pai disse: eu vou na frente e você me segue, e eles foram. Colocou o pequeno na garupa do mais velho. Teve trechos da viagem que a gente seguiu com eles”, conta a viajante. 

As amizades durante o percurso foram brotando. O casal também conheceu outros dois casais de Florianópolis, só que estes estavam de carro. O encontro acontecia de cidade em cidade, durante os passeios. “A gente foi se encontrando até Ushuaia”, relembra a jovem.

As estradas também chamam a atenção de Diego por ter um diferencial em relação ao Brasil. “É bem menos veículo rodando na estrada”, afirmou. “Não tem estradas como a Freeway, que tem três ou quatro vias. A maioria de lá é em mão única”, completa Carolina. O casal já rodou cerca de 30 mil quilômetros na América do Sul. “A gente vai voltar outras vezes para os mesmos lugares", confia Diego.

A tradicional pergunta que é feita pelos viajantes durante o percurso é: da onde você vem e para onde você vai?


Enfim Ushuaia, o ‘fim do mundo’ 

Já imaginou pessoas do mundo todo, a maioria embarcada na moto, chegando no mesmo lugar? Parece cena de filme, mas essa é a realidade de Ushuaia, a cidade conhecida como o ‘fim do mundo’.

Duas fotos são clássicas nesse lugar: uma na entrada da cidade, e a outra com a placa que fica localizada do outro lado de Ushuaia. “A placa é a última coisa que tem lá, então todo mundo que vai à cidade tem que ir até essa placa fazer a foto. Depois dela, só indo para a Antártica, de navio ou de avião”, explica Diego.

 

 

O casal também aprendeu muito sobre a cidade. “O mais curioso disso tudo é que Ushuaia era um presídio, mas fomos descobrindo tudo lá. A linha de trem foi construída pelos presidiários. O parque tem sinais dos trabalhos deles. Tudo lá é em volta desse turismo”, contou Carolina. 

 


Cada viagem teve uma emoção diferente, avalia Carolina. “É um desafio, passar por tudo que a gente passou. E as paisagens... cada paisagem que vimos eram extremamente diferentes umas das outras. Em outras viagens que fizemos, como o Peru, Bolívia e o norte do Chile, tinha muito a ver com a cultura inca. Era tudo envolvido com isso, as músicas, a comida. Já aqui no Sul, o turismo é voltado para a natureza”, explicou. 

Diego conta que pesquisar os roteiros no youtube ajudou bastante. “Muitos motoqueiros já fizeram essas estradas”, disse.

Carolina ainda tem muitos planos de viagem. “Ir para o Alasca é um pensamento a longo prazo porque envolve mais dinheiro. Penso em conhecer, porque nós conhecemos desde Santiago até o fim do Chile, e nós conhecemos de São Pedro de Atacama até o Peru. Então esse trecho entre Santiago e São Pedro de Atacama a gente não conhece, que é uma paisagem bem diferente. Outra viagem que gostaria de fazer é voltar no Uruguai, atravessar até a região de Buenos Aires e voltar para o Brasil, mas são viagens mais curtas. Até o Equador, eu queria conhecer, mas tudo de moto."

Como tudo começou? 

A primeira viagem de moto do casal foi para Argentina. Tudo começou quando Carolina, que fazia um mestrado na época - em 2016 -, precisou apresentar um seminário na cidade de Salta. O casal não tinha dinheiro para comprar a passagem. Inspirados em um colega, planejaram a viagem de moto para gastar menos. 

Sem saber muito a respeito desse tipo de viagem, e apenas munidos de algumas informações, o casal encarou o desafio. “Tínhamos perguntado para um e outro como fazia para passar na fronteira. Nem sabíamos como era a cidade de Salta. Chegamos lá e ficamos em um hotel péssimo de noite. No outro dia ficamos procurando os passeios para saber o que a gente ia fazer. Acabamos contratando um guia para conhecer a Cordilheira dos Andes, apresentei o trabalho e voltamos”, afirmou Carolina. A viagem durou nove dias, e foram quatro mil quilômetros percorridos.  

Diego lembra bem da chegada na Universidade para a apresentação do seminário. “Ela disse durante a apresentação que tínhamos ido de moto”, conta, lembrando que as pessoas não acreditavam que eles tinham ido até lá desta forma. “Começaram a chamar todo mundo, dizendo que tínhamos vindo de Santa Catarina de moto”, sorri.

Nessa viagem, Carolina também visitou uma argentina que havia conhecido um ano antes no Uruguai. “Eu trocava e-mail com ela, e ela dizia: se vocês passarem na minha cidade vão dormir na minha casa. E ela estava lá esperando com comida, presente e ainda paramos para pedir informação justo na casa dela”, enfatizou.  

Daí em diante o casal pegou gosto pela viagem sobre duas rodas. Em janeiro de 2017, os dois foram para o Uruguai: Punta del Este, Montevidéu e Colônia do Sacramento. Em setembro de 2018, eles foram para a Bolívia, Mato Grosso do Sul, Santa Cruz de la Sierra, Lago Titicaca, entre outros lugares. Foi um roteiro de 28 dias, com 11 mil quilômetros rodados. Foi também nesta viagem que Carolina e Diego ficaram noivos. O local escolhido para marcar a data foi: Machu Picchu, no alto da Cordilheira dos Andes, no Peru. Foi assim, que o casal iniciou uma trajetória de muitas aventuras. 

Essa matéria foi produzida antes da pandemia do coronavírus chegar ao Brasil. Atualmente viajar não é uma recomendação da Organização Mundial da Saúde.