Paulo Baier: o Gelson Silva da nossa geração
A notícia do dia no futebol catarinense foi a inesperada demissão de Paulo Baier
Foto: Celso da Luz / Criciúma EC
Voltamos a 29 de agosto de 2007. Um dia antes, jogando em casa, o Criciúma empatou sem gols com o Ceará, pela 21ª rodada da Série B do Campeonato Brasileiro. Foi o quinto tropeço consecutivo do Tigre, que havia iniciado a competição voando, inclusive emendando oito jogos sem derrotas entre a 4ª e 11ª rodada. Esse início fulminante fez com que a queda de rendimento na virada do turno não provocasse grande impacto na campanha tricolor, que mesmo com a sequência negativa, era líder da segundona com dois pontos de vantagem para o Coritiba e cinco para o Vitória, 5º colocado.
Apesar da ótima campanha - que já era chancelada pelo vice estadual, com o trofeu indo para a Chapecoense após um gol no fim da decisão - para um time recém promovido, a diretoria do clube à época entendeu ser correto interromper o trabalho de Gelson Silva, o treinador do time, que tinha quase 69% de aproveitamento. Sim, o técnico caiu com o Tigre na liderança da competição.
A mudança até surtiu efeito imediato e o Criciúma, com Gonzaga Milioli tapando buraco, venceu o Grêmio Barueri por 2 a 0 na rodada seguinte. Mera casualidade. Dali até o fim da Série B vieram apenas mais três vitórias, que deixaram o Tigre longe do acesso. Encerrou em 7º, com 53 pontos - seis atrás, veja só, do Vitória, que estava cinco atrás quando Gelson foi embora. Não foi uma campanha ruim para um recém promovido, mas deixou no ar a pergunta que, vira e mexe, alguém faz: “e se o Gelson tivesse ficado?”.
Foto: Arquivo Engeplus
Voltamos aos dias atuais. Desesperançoso após um incrível rebaixamento no Estadual, o Criciúma reinicia o trabalho do zero, aposta as fichas num técnico novato, mas identificado com o clube e os resultados vêm. Oitavas de final da Copa do Brasil, campanha de G4 na Série C, classificação para a segunda fase com uma rodada de antecedência. time, até aqui, imbatível em casa. Nada disso adiantou para segurar Paulo Baier no comando do Tigre, sendo demitido, a exemplo de Gelson, após um empate sem gols jogando em casa.
O tempo dirá se a decisão da diretoria capitaneada por Anselmo Freitas e Juliano Camargo foi correta, mas fica difícil imaginar que dará certo. Os argumentos que surgem horas após a demissão são desconexos da realidade. “Ah, mas o rendimento do time está ruim”. Alguém tem visto a Série C mesmo? Reconhece o nível técnico da competição e que está todo mundo praticamente em níveis parecidos?
O Criciúma não é o Bayern de Munique, que atropela seus rivais no Campeonato Alemão. O Criciúma é um time de Série C e, como time de Série C, vai jogar como seus rivais. Esperar muito mais é se desligar da realidade. A 3ª divisão nacional tem um nível técnico parelho. São jogos físicos, brigados, picotados por faltas, muitas vezes decididos na bola parada ou em erros tolos dos adversários. Leva a melhor, diversas vezes, quem compete mais, quem consegue explorar os vacilos opostos, e não propriamente quem tem mais bola. O Tigre de Baier competia. Não enchia os olhos, como nenhum time da Série C, mas chegou com méritos na segunda fase. Mas a exigência que reverberava nos microfones e nos dedos nervosos das redes sociais apontava que o time precisava ser o Bayern do sul.
Não foi e, adianto: não vai ser.
E se o problema era realmente o rendimento, por quê deixaram tanto tempo, então? Melhor: a diretoria do Criciúma acredita mesmo que o novo treinador, nesse estágio da temporada, vai fazer o time jogar mais? Com os mesmos jogadores? Por favor, treinador não é mágico e futebol não é receita de bolo. Futebol é processo e o Tigre interrompeu um sem explicações claras e lógicas, recuperando a fama de “máquina moedora de técnicos”.
“Ah, mas tinha que cair agora pra não acontecer o mesmo do Estadual, quando demorou para demitir o Hemerson Maria”. Essa correlação simplesmente é descabida. Estão comparando um trabalho desastroso, sem vitórias, com um numa reta decisiva, valendo vaga para a Série B.
"Problemas de relacionamento". A não ser que Baier tenha feito algo realmente grave entre domingo e segunda-feira, isso teria de ser algo já arrastado, o que só reforça a pergunta: se a diretoria estava insatisfeita antes, por que demitir só agora?
Nada faz sentido envolvendo essa demissão, desde a justificativa passando pelo timing horroroso, criando uma crise desnecessária numa semana de jogos decisivos. Ao tomar essa atitude, a diretoria do Criciúma dá um recado bem claro à torcida: o que acontecer a partir de agora, é responsabilidade dos gestores, que decidiram segurar o rojão de uma decisão inesperada e, até aqui, inexplicável.
Em pleno outubro de 2021, voltamos a ter um gostinho do que foi 2007. Paulo Baier foi o Gelson Silva da vez.
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